“O problema não é a falta de vagas, mas sim a falta de currículo que converse com o que o mercado quer”, alerta psicóloga especialista em recrutamento
O Brasil vive novamente um período de alta no nível de emprego. Segundo dados do Novo Caged do Ministério do Trabalho, o país gerou mais de 166 mil empregos com carteira assinada em junho e ultrapassou a marca de 1,2 milhão no semestre. No mês, foram registradas 2.139.182 contratações e 1.972.561 demissões. De acordo com o levantamento, os cinco principais setores da economia tiveram resultado positivo. O destaque foi para os Serviços, com 77.057 novas vagas (+0,33%), o Comércio criou 32.938 empregos (+0,31%), a Agropecuária 25.833 (+1,38%), a Indústria 20.105 (+0,22%) e a Construção 10.665 (+0,35%).
Mesmo com os números positivos, uma questão tem causado preocupação nos recrutadores de recursos humanos: currículos mal elaborados, com falta de informações essenciais e objetivos profissionais dos candidatos. Segundo a psicóloga Cléia Soares, com mais de 26 anos de experiência na área de recrutamento e seleção, o problema não é a falta de vagas, mas sim, a falta de currículos que conversem com o que o mercado precisa. “O que percebemos no dia a dia são pequenos erros, como postura inadequada, erros de digitação, mas que no final das contas acabam virando um grande problema, e a pessoa acaba ficando de fora do processo. Outro grave problema é a falta de objetivos profissional bem definidos, nos currículos, ou seja, o qual área o candidato pretende trabalhar”, comenta.
Esse cenário, segundo a especialista, faz com que milhares de profissionais qualificados fiquem pelo caminho antes mesmo de terem a chance de apresentar suas competências em uma entrevista. “Muitas vezes, o candidato tem experiência e formação compatíveis com a vaga, mas a forma como ele apresenta essas informações não facilita a leitura do recrutador ou não dialoga com os requisitos da posição”, explica Cléia.
A triagem inicial — que em grande parte das empresas é feita por sistemas automatizados conhecidos como ATS (Applicant Tracking Systems) — também contribui para essa exclusão precoce. Esses softwares filtram currículos por palavras-chave e formato. “Se o documento não contém os termos que o sistema espera encontrar, ele simplesmente não passa para a fase seguinte. É um filtro rápido, mas implacável”, afirma Cléia.
Para a especialista, três pontos principais explicam por que tantos currículos acabam no lixo antes de serem analisados:
- Objetivo profissional vago ou inexistente – O recrutador precisa entender rapidamente em qual área o candidato deseja atuar e se isso se encaixa na vaga oferecida.
- Falta de personalização – Usar o mesmo currículo para todas as oportunidades, sem adaptar o conteúdo para cada processo seletivo, reduz drasticamente as chances de aprovação.
- Erros básicos de apresentação – Desde ortografia até formatação e excesso de informações irrelevantes, qualquer falha nesse sentido pode transmitir desorganização e falta de cuidado.
Além disso, a falta de clareza no descritivo das experiências anteriores é outro fator que prejudica o candidato. “Não adianta apenas listar cargos e empresas. É fundamental descrever resultados, metas atingidas e habilidades adquiridas, sempre usando linguagem alinhada ao que o mercado espera”, reforça Cléia.
Ela destaca ainda que a pressão por recolocação, somada à ansiedade, faz com que muitos profissionais enviem currículos de forma indiscriminada, sem uma análise prévia da vaga. “O candidato precisa mudar a lógica: não é sobre mandar o maior número de currículos possível, e sim enviar um material de qualidade, direcionado, que mostre por que ele é a pessoa certa para aquela posição.”
O paradoxo é claro: há empresas contratando e candidatos em busca de trabalho, mas a comunicação entre esses dois lados é falha. “Um currículo bem estruturado e estratégico é a ponte que conecta essas duas pontas. Sem ele, a vaga continua aberta e o candidato continua desempregado”, conclui a psicóloga.