Em mais um capítulo da crise no MEC (Ministério da Educação), gestores do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais), órgão ligado à pasta, propõem repetir perguntas de edições anteriores no Enem 2022. Um dos motivos é a escassez do BNI (Banco Nacional de Itens), que reúne questões aprovadas para o exame.
“Considerando a possibilidade de reutilizar 4.680 itens, que foram aplicados para milhões de candidatos nas edições realizadas no Enem, não haverá a necessidade de executar novos pré-testes para viabilizar as edições 2022 e 2023”, diz o documento interno, ao qual o UOL teve acesso. A minuta do edital, com essa sugestão, já foi enviada ao presidente do Inep, Danilo Dupas.
A proposta é assinada por novos coordenadores e diretores do órgão:
- Robério Alves Teixeira, coordenador-geral de Instrumentos e Medidas – é tenente do Exército e assumiu o posto no início deste mês;
- Michele Cristina Silva Melo, diretora de Avaliação da Educação Básica – profissional de confiança do presidente do Inep, ela está no cargo desde janeiro de 2022;
- Ricardo Freitas da Silva, coordenador-geral de Desenvolvimento da Aplicação – foi nomeado em fevereiro;
- Jôfran Lima Roseno, diretor de Gestão e Planejamento – é auditor de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União e assumiu também em fevereiro.
Os quatro entraram após a pior crise do Inep, em novembro do ano passado, quando dezenas de servidores pediram exoneração de seus cargos com o objetivo de pressionar a saída de Dupas. Ele, no entanto, continua no cargo.
Segundo servidores antigos do instituto, o grupo não tem experiência prévia com a montagem e aplicação do Enem e não apresenta perfil técnico para tomada de decisões. Procurado pela reportagem nesta terça-feira (29), o Inep não respondeu aos questionamentos.
Especialistas e servidores apontam um desmonte no ministério nos últimos anos
Ontem, Milton Ribeiro foi exonerado do cargo de ministro, uma semana após a divulgação de áudios em que ele admite que prioriza a liberação de verbas da educação a prefeituras ligadas a dois pastores que não têm vínculo com o governo federal. “Foi um pedido especial que o Presidente da República [Jair Bolsonaro] fez para mim sobre a questão do [pastor] Gilmar [Santos]”, diz Ribeiro na gravação divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo.
Questões testadas e aprovadas
No documento, os coordenadores e diretores incluíram uma tabela com o total de itens novos, pré-testados e quais estão “pré-testados adequados” —estes últimos são os que estão “prontos” para o exame.
Na área de Linguagens, por exemplo, há 43 itens pré-testados adequados. Ciências da Natureza tem o maior número: 75.
Esse número de questões não é suficiente para a realização do Enem 2022. Para este ano, o Inep precisa montar duas provas — uma para edição regular do exame e a outra chamada de Enem PPL (Pessoas Privadas de Liberdade).
Ao todo, cada inscrito no Enem responde a 180 perguntas —90 no primeiro dia e a outra metade no segundo dia. Ou seja, para este ano, são necessárias 360 questões.
Buscando garantir a segurança e a aplicação das edições de 2022 e 2023, e ao mesmo tempo garantir as condições para a implantação do novo Enem 2024, sugerimos que o edital da edição de 2022 traga a possibilidade de utilização de itens já aplicados com a seguinte redação: “A edição 2022 do Enem poderá utilizar itens inéditos e itens já utilizados em edições anteriores.
Na proposta, o grupo também argumenta que a atualização do BNI é um processo “moroso, custoso, sigiloso e que demanda uma alta quantidade de mão de obra”.
E que parte da equipe responsável já vai se dedicar ao desenvolvimento do Novo Enem, “o que acarretará uma carga de trabalho adicional e monumental” aos servidores.
Mas nem o processo nem a escassez de itens são novidades ou surpresas para quem acompanha o Enem. No ano passado, reportagens feitas pelo UOL já mostravam a falta de itens no BNI. O banco também foi alvo de uma tentativa de terceirização, a pedido do próprio Dupas. A proposta, no entanto, não avançou após a repercussão negativa.
Em 2019, uma comissão, criada para decidir as questões que entrariam ou não na edição seguinte do Enem, reduziu o número de itens do BNI. Um ano depois foi noticiado que a comissão sugeriu a troca de “ditadura” por “regime militar” em uma questão. Além disso, foram barrados 66 itens do Enem 2019.
Dentro e fora do governo, o banco de itens é considerado um instrumento forte e técnico, que ajuda a blindar o exame de influências externas.
Infelizmente, a não realização de pré-testes em quantidades adequadas em anos anteriores e a utilização elevada de itens pré-testados para a montagem de três provas diferentes em 2020 (regular – digital e PPL) exauriu o BNI.
‘Novo Enem’
No documento, os novos gestores afirmam que os esforços que seriam usados para realizar pré-testes podem ser “canalizados para o desenvolvimento e a viabilidade do Novo Enem, que apresenta alto grau de complexidade, considerando a nova BNCC [Base Nacional Comum Curricular]”.
Há duas semanas, o MEC anunciou as mudanças previstas para o Novo Enem —que será aplicado a partir de 2024. A pasta informou que o exame será alinhado com o Novo Ensino Médio, que prevê alterações na grade curricular e na carga horária dos alunos, por exemplo.
As alterações foram aprovadas pelo CNE (Conselho Nacional de Educação). Segundo o MEC, no novo modelo, o primeiro dia de exame terá perguntas relacionadas à formação geral básica do aluno, com foco nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. As questões, no entanto, serão interdisciplinares. Ainda nesta primeira etapa, os alunos terão que entregar uma redação.
Já no segundo dia, o aluno responderá perguntas da área de conhecimento escolhida. O MEC irá oferecer quatro blocos de perguntas para os candidatos —ainda não há detalhes de quantas e como serão as questões.
Questões anuladas
Escolher utilizar perguntas de edições anteriores é algo inédito, mas o Enem já teve registro de questões anuladas por não serem novas.
Em 2019, uma pergunta foi invalidada porque havia sido usada no caderno de questões das provas braile e ledor no ano anterior.
Antes, em 2011, um grupo de alunos de um colégio de Fortaleza teve 14 questões anuladas, porque elas haviam sido usadas nos pré-testes do exame nacional que foram aplicados aos mesmos estudantes.